Igreja paroquial de São Martinho de Vale de Bouro (Celorico de Basto)
A superstição existe onde a insegurança campeia e o desconhecido seduz, subjugando a inteligência humana. Não é uma fatalidade, mas um facto que teve origem no inicio da nossa civilização e com ela há de morrer. Engana-se quem pense que só as pessoas incultas acreditam no impossível. Não. A crendice povoa a mente de todas as pessoas e classes sociais. Até aqueles que dizem não ser supersticiosos de vez em quando lá vão fazendo uma figa, ou então, como adorno, usam ao pescoço um amuleto, nem sempre de bom gosto. Mas vamos ao tema que escolhi para este post, começando por pedir ao autor de "Um Buraco no Inferno" que rectifique a naturalidade do heresiarca João Pinto que é São Martinho de Vale de Bouro, sim, mas do concelho de Celorico, e não de Mondim de Basto. Fora isto há que louvar quem da região do Oeste de Portugal vem arrancar da poeira do tempo, pedaços de história que adormecidos no baú do esquecimento dizem respeito à sedutora região Basto.
De forma romanceada, o autor descreve-nos a história de um lavrador de Vale de Bouro que em meados do século XVIII engendrou uma cosmovisão e uma escatologia que conquistou simpatizantes seduzidos pela promessa de penetrarem nos mistérios insondáveis do após a morte, mas ainda mais, no descobrir os lendários tesouros que a serra dos montes Farinha escondem.
Aldeia de Vilarinho – Vilar de Ferreiros (Mondim de Basto)
Para rampa de lançamento das suas teológicas convicções messiânicas, o feiticeiro João Pinto, escolheu um lugar afastado da sua terra e dos olhares de quem pusesse em causa o seu poder sobrenatural. Vilarinho, uma aldeia encravada nas abas da "montanha sagrada de Basto" foi o sítio azado para se afirmar. Aqui lança as raízes do que prometeu ser uma nova doutrina de que se dizia encarregado de propagar; e a verdade é que conseguiu cativar aderentes na comunidade local. Planou durante algum tempo com a magia das suas promessas e fantasias sobre a cabeça crendeira dos seus iludidos aderentes que teve, entre outros, num Diogo Francisco, num António Gaspar, num Manuel da Silva Carvalho, e numa Maria José Alves e sua irmã Francisca.
Apenas deixou de planar, e aterrou, quando se começou a perceber que o buraco de inferno…., em vez do Monte Farinha, era o "quintal" da mulher de um alfaiate da localidade. As cosmovisões atraiçoaram-no e a descrença abre as portas à denuncia inquisitória, encabeçada por Francisco Penteado e Matias Pires, irmãos da Maria José. Do logro saiu ensombrada uma parcela da freguesia de São Pedro de Vilar de Ferreiros, quando era pároco o abade Manuel Paulo da Silva, e em São Cristóvão de Mondim de Basto, o cura era o padre Manuel João dos Reis. Ambos eram conhecedores das actividades do heresiarca João Pinto, mas não foram os denunciantes. Uma história que assustou a pacata aldeia de Vilarinho e que teve o seu epilogo a 21 de Maio de 1759, com 08 dos "congregados" a decidir apresentarem-se à Mesa do Santo Oficio.
A 05 de Novembro o processo estava aprontado e o Tribunal do Santo Oficio com a sua tarefa praticamente cumprida, com dois dos condenados à pena de tortura, João Pinto e Maria José. Deste episódio de que se perdeu memória veio agora o licenciado em história António Ribeiro fazê-lo ressuscitar, e assim pôr-nos ao corrente dum acontecimento que naquela altura ensombrou os meus conterrâneos daquela aldeia e nós hoje podemos citar aqui. Não me consta que reminiscências orais desse episódio paire tão pouco no subconsciente de algum conterrâneo meu, mas o uso temerário em conversas de lareira do vocábulo "degradado", e na microtoponímia da povoação aparecer um enjeitado lugar denominado Cabo do Mundo, podem muito bem ser vestígios derivados ou alusivos ao que se passou nesta aldeia em meados do século XVIII. Os nossos antepassados tinham o bom costume de silenciar a voz acerca do que não era merecedor de ser louvado. E deve ter sido o que aconteceu com a história do heresiarca de Vale de Bouro.